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Junho 2018
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Um de nossos objetivos é exatamente apontar tendências e desafios acerca do setor de saúde, possibilitar a criação de informações, conhecimento e ferramentas para a melhor tomada de decisão. Nesse anseio, não é de hoje que falamos de como a inflação dos custos em saúde representa um desafio mundial para a sustentabilidade do setor.

Quem nos acompanha sabe que essa preocupação é latente em nossas publicações, como na série de publicações a respeito das especificidades dos custos em saúde com base no TD 69 – "Tendências da variação de custos médico-hospitalares: comparativo internacional". Explicamos as diferenças entre VCMH e IPCAfatores propulsores dos custoscaracterísticas do caso brasileiro e mundial; e seus impactos sobre o reajuste dos planos de saúde.

Com o mesmo objetivo, buscamos municiar a imprensa e, consequentemente, a sociedade sobre os diferentes aspectos do setor, disseminando informação de respaldo técnico e facilmente depreendida por meio de reportagens, como do jornal O Globo do dia 30 de maio. 

Em entrevista, o superintendente executivo do IESS, Luiz Augusto Carneiro, falou sobre a importância do modelo de pagamento para a sustentabilidade do setor e a redução dos crescentes custos com saúde em todo o mundo. A agenda de soluções para o segmento passa por mudanças, com o fim do fee for service (pagamento por volume) e adoção do pagamento por desempenho/valor – que você pode conferir na nossa área temática – além de diferentes ações sistêmicas para toda a cadeia, como mostrou a reportagem. 

“Nosso modelo de remuneração incentiva o desperdício e o aumento de custo. Mas temos consciência de que esta mudança faz parte de uma agenda estruturante, com todas as ações que o Brasil precisa para se modernizar nos próximos anos. As coisas não vão mudar do dia para a noite”, comentou Luiz Augusto.

Confira a reportagem na íntegra.

 

Inflação médica: um desafio mundial da Saúde Suplementar

Custos levam em conta não apenas os preços, mas a frequência de uso de consultas, exames, internações e terapias

 

A inflação dos custos em saúde representa um desafio mundial para as operadoras de Saúde Suplementar. Não só no Brasil, mas também em mais de 90 países, operadoras tentam conter o avanço da chamada Variação de Custo Médico-Hospitalar (VCMH), puxada por modelos inadequados de pagamento de prestadores, incorporação de novas tecnologias e de coberturas- em geral, muito mais elevadas que as anteriores – e envelhecimento da população (e prevalência de doenças crônicas). Em todo o mundo, a VCMH supera, com folgas, a inflação oficial dos países.

O receituário comum para minar a escalada dos preços existe: as soluções sistêmicas para toda a cadeia envolvem mudanças no modelo de pagamento aos prestadores – fim do fee for service (pagamento por volume) e adoção do pagamento por desempenho/valor – uso mais racional dos planos, incluindo franquias; e comprovada efetividade das novas tecnologias, além de preços acessíveis, antes de sua incorporação por governos e reguladores, como, aliás, já recomenda a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), preocupada com o risco de sustentabilidade dos sistemas públicos e privados de saúde diante da inflação médica.

O Brasil vive um período de inflação em queda. O acumulado nos últimos 12 meses ficou em 2,76% até abril de 2018, segundo o IPCA/IBGE. Mas essa redução não é transmitida para os custos de saúde.

Calculada pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), a VCMH/IESS aponta crescimento nas despesas de assistência à saúde bem maior que o aumento geral de gastos calculado pelo IPCA. O índice serve de referência para o reajuste anual das mensalidades dos planos de assistência à saúde.

O modo de cálculo dessas duas inflações é fundamental para explicar a disparidade entre os percentuais. O IPCA leva em conta apenas a variação de preços de produtos e serviços. A VCMH calcula não só o aumento do custo de consultas médicas, exames, internações hospitalares e terapias, mas também a frequência com que cada serviço é utilizado.

O aumento dos gastos na assistência à saúde acontece, entre outros fatores, pelo envelhecimento natural da população e pelo uso de tecnologias cada vez mais sofisticadas. E, ao contrário de outros setores, onde a tecnologia leva à diminuição de custos, na saúde a sofisticação de equipamentos gera mais despesas – com aquisição, manutenção e pessoal altamente especializado.

– O IPCA verifica a variação de preços dos alimentos à passagem de avião. Nos custos médico-hospitalares, existem as variações dos preços, mas também das quantidades, pois o aumento da frequência tem peso importante nos custos – explica o economista Luiz Roberto Cunha, professor da PUC-Rio e pesquisador do setor de saúde suplementar.

A “inflação médica” tem superado anualmente o teto de reajuste dos planos de assistência médica fixado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Em dezembro de 2016, por exemplo, a VCMH dos 12 meses anteriores chegou a 20,4%. Para o mesmo período, o IPCA ficou em 6,29%.

A ANS fixou, para o período de maio de 2017 a abril de 2018, um teto de 13,55% para reajuste dos planos individuais ou familiares, que atingem 8,1 milhões de beneficiários, ou 17% dos 47,4 milhões de usuários de planos do País. Os reajustes são feitos de acordo com o mês de aniversário da contratação do plano.

A presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), Solange Beatriz Palheiro Mendes, diz que as mensalidades são resultado de um acúmulo de custos.

– A reclamação geral é de que os reajustes das mensalidades estão muito acima da inflação oficial, o que é verdade. No caso da saúde, os gastos variam com os preços dos materiais, medicamentos e serviços, mas também com a frequência da utilização e os novos itens incluídos pelas novas tecnologias. Trata-se de um efeito dominó que deságua nos valores das mensalidades – pondera Solange.

A presidente da FenaSaúde diz ainda que, nos últimos anos, em consequência da recessão econômica, o número de usuários de planos de saúde diminuiu, mas a frequência do uso de serviços aumentou significativamente:

– O volume de procedimentos médicos realizados pela saúde suplementar em 2016 aumentou 6,4% em relação a 2015, totalizando 1,465 bilhão de procedimentos ou quatro milhões por dia. Entretanto, em 2016 houve perda de 1,5 milhão de beneficiários.

Operadoras de planos privados de assistência à saúde apontam outros fatores para o aumento de custos, como o excesso de internações e exames.

– A principal forma de remuneração dos serviços médicos é o pagamento por volume de procedimentos realizados. Esse modelo é criticado por estimular a superutilização dos recursos da medicina e a migração para materiais mais caros, mesmo que não façam diferença no resultado – ressalta Solange.

Outra interferência na inflação médica é que, a cada dois anos, novos procedimentos e medicamentos são incluídos na lista de cobertura básica obrigatória dos planos de saúde da ANS.

– Neste caso, não há clareza se alguns itens foram incluídos corretamente, e se de fato resultam em benefícios significativos. Outra questão são os recursos à Justiça, que muitas vezes determinam a inclusão de procedimentos que não estavam no contrato firmado entre a operadora e o usuário – pontua Flávio Bitter, diretor técnico e de produtos da Bradesco Saúde e vice-presidente da FenaSaúde.

 

Dividir os riscos é a solução

Para o economista Luiz Roberto Cunha, os planos de assistência médica deveriam estar baseados no mutualismo, em que muitos participantes dividem os riscos. No Brasil, porém, é crescente a participação de idosos (pessoas com maior risco) nos planos, enquanto a adesão de jovens diminuiu. Dados da FenaSaúde mostram que, entre março de 2016 e o mesmo mês de 2017, houve aumento de 1,6% no número de usuários de planos privados de assistência médica com 59 anos ou mais de idade, e redução no número de clientes nas faixas de zero a 18 anos (menos 2,6%), de 19 a 23 anos (menos 4,8%) e de 24 a 28 anos (menos 6,6%).

– O sistema depende de um grande número de participantes para dividir o risco. Mas acaba ficando sobre os que têm mais risco. É uma questão mais complexa e mais difícil que a Previdência Social. Todo empregado paga compulsoriamente o INSS. No caso dos planos de assistência médica, os jovens tendem a não entrar – compara Cunha.

O superintendente executivo do IESS, Luiz Augusto Carneiro, cita medidas adotadas na Europa, nos EUA, na Austrália e na África do Sul para reduzir o custo médico-hospitalar, como a definição de valores fixos que as operadoras pagam aos hospitais em caso de internação. O valor é predeterminado segundo grupos de diagnóstico, idade e classificação de risco dos pacientes.

– Nosso modelo de remuneração incentiva o desperdício e o aumento de custo. Mas temos consciência de que esta mudança faz parte de uma agenda estruturante, com todas as ações que o Brasil precisa para se modernizar nos próximos anos. As coisas não vão mudar do dia para a noite – conclui Luiz Augusto

Junho 2016
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O último dia do 3º Fórum A Saúde do Brasil, realizado pela Folha de S. Paulo, apresentou ótimos debates sobre custos de internações, promoção de saúde e modelos de assistência e remuneração. Contudo, o melhor painel do dia tratou da judicialização da saúde.

O assunto já foi abordado aqui no blog  e é foco de constante avaliação por todos os envolvidos na gestão da saúde no País (tanto pública quanto privada). Ainda assim, está longe de ser esgotado. Grande parte da expectativa do painel se deu por conta de sua composição, que contou com a juíza Deborah Ciocci, do Tribunal de Justiça de São Paulo, a presidente da FenaSaúde, Solange Mendes, e a advogada Renata Vilhena Silva, especialista em direito da saúde.

Em linha com a nossa visão, Deborah destacou que a judicialização é necessária sempre que o direito de alguém é violado, mas que no setor de saúde há excesso de intervenções. No mesmo sentido, a presidente da FenaSaúde se mostrou bastante ponderada ao afirmar que o acesso ao Judiciário é o melhor valor de uma sociedade. “O litigio faz parte das relações sociais e é necessário que seja assim. Mas, na saúde, a judicialização está fazendo o direito individual se sobrepor ao direito coletivo e gerando prejuízos ao setor e sociedade.”

Já Renata argumenta que o aumento da judicialização no setor seria culpa da ANS, que, segundo ela, “não está cumprindo sua função social de defender os interesses dos beneficiários”. Cabe aqui uma ressalva: a Lei 9.961, de janeiro de 2.000, que cria a ANS, estabelece, no seu Artigo 3°, que “A ANS terá por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País”. Além disso, diz o Inciso XXVI, do Artigo 4° da Lei que compete a ANS “articular-se com os órgãos de defesa do consumidor visando a eficácia da proteção e defesa do consumidor de serviços privados de assistência à saúde, observado o disposto na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990”. Portanto, a ANS pode apoiar os órgãos de defesa do consumidor para exercerem suas atividades, mas seu foco principal é promover o equilíbrio das relações entre os beneficiários e as operadoras. O que não significa, na prática, ter uma função social de defesa de interesses dos beneficiários. No mundo todo, órgãos reguladores cumprem a função de mitigar falhas de mercado de modo a assegurar o equilíbrio entre regulados e consumidores – no caso da saúde suplementar, beneficiários. 

Em outro momento, Renata ponderou que mudar o modelo de remuneração, com os prestadores de serviço sendo pagos por eficiência e qualidade ao invés de quantidade, poderia contribuir para a diminuição do número de ações, pois o sistema se tornaria mais eficiente e premiaria o melhor atendimento e desfecho clínico.

A diretora da ANS Martha Oliveira, em outro painel, corroborou o raciocínio ao afirmar que não sabe se os médicos ganham pouco ou muito, mas com certeza ganham errado. “O modelo vigente reforça certos problemas ao remunerar pelo excesso de quantidade e não pela qualidade do atendimento. Precisamos reorganizar.”

De fato, os recursos do setor são escassos e é necessário entender que é impossível dar tudo o tempo todo para todo mundo. Escolhas precisam ser feitas. Inclusive para garantir a sustentabilidade do setor e priorizar a qualidade.